Nós somos pássaros que
andam
Glicéria Tupinambá, comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, Okará Assojaba, 2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Glicéria Tupinambá, comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, Okará Assojaba, 2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Glicéria Tupinambá, comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, Okará Assojaba, 2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Glicéria Tupinambá, Grupo Atã Tupinambá, comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, Dobra do tempo infinito, 2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Glicéria Tupinambá, Grupo Atã Tupinambá, comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, Dobra do tempo infinito, 2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Olinda Tupinambá, comunidade Pataxó Hãhãhãe – Terra Indígena Paraguaçu, Equilíbrio, 2020–2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Olinda Tupinambá, comunidade Pataxó Hãhãhãe – Terra Indígena Paraguaçu, Equilíbrio, 2020–2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Olinda Tupinambá, comunidade Pataxó Hãhãhãe – Terra Indígena Paraguaçu, Equilíbrio, 2020–2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Ziel Karapotó, comunidade Karapotó Terra Nova, Cardume, 2023–2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Ziel Karapotó, comunidade Karapotó Terra Nova, Cardume, 2023–2024 © Rafa Jacinto / Fundação Bienal de São Paulo
Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam

Em tupi antigo, idioma tupinambá, Ka’a Pûera – ou capoeira – são os lugares usados para o plantio de roças. Após a colheita, esses espaços ficam em repouso, surgindo assim um uma vegetação mais baixa, uma mata regenerada. Num primeiro olhar, esse espaço pode parecer infértil e inóspito, mas é na capoeira que existe uma grande variedade de plantas medicinais. Onde aparentemente não há vida, é a possibilidade do ressurgimento: com o solo em recuperação, logo poderá ser uma nova roça para o sustento da comunidade ou uma nova floresta.

Capoeira é também uma pequena ave que caminha em bando dentro de densas florestas. Possui penas de tons marrons, laranjas e cinzas que criam sua camuflagem no solo da mata. Essas são estratégias de sobrevivência frente aos seus predadores em defesa de seus territórios – e se assemelham à luta dos povos indígenas, que são como Ka’a Pûera, pássaros que andam em florestas que ressurgem.

O Pavilhão Hãhãwpuá narra uma história de resistência indígena no Brasil, das adaptações frente às urgências climáticas e do corpo presente nas retomadas. Hãhãwpuá é como os Pataxó denominam esse grande território que recebeu o nome de Brasil, e que antes da chegada dos colonizadores foi chamado por tantos outros nomes. É importante reconhecer o Brasil enquanto terra indígena e que as mais de trezentas nações que vivem nessa terra seguem suas lutas nos dias de hoje, em defesa de suas memórias e saberes tradicionais. Essa resistência dos povos indígenas enquanto humanos-pássaros-memória-natureza é para que nos lembremos daqueles que estão à margem, desterritorializados, invisibilizados, encarcerados, violados de seus direitos, porque mesmo num solo aparentemente infértil, sempre existirá a possibilidade de ressurgimento e resistência.

Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana

A cultura e a arte são ferramentas de transformação. Inseparáveis, é esse núcleo estético – e ético – da vida o único capaz de mobilizar corações e mentes em torno de uma identidade nacional fundada na diversidade, na justiça e na cidadania. A Bienal de Veneza, evento de longa tradição no mundo da arte, é o palco perfeito para a celebração dessa identidade. Nesse encontro internacional, mostramos para nossos vizinhos do mundo nossa cultura, aquilo que temos de mais rico e poderoso, e por meio dos diálogos estabelecidos por essas trocas, transformamos e somos transformados.

O Ministério da Cultura, assim como a participação nacional em Veneza, é uma conquista do povo para o povo. O desenvolvimento social cultural, maior objetivo da pasta, só é possível se estiver de mãos dadas com as nossas múltiplas raízes étnicas e históricas. O Pavilhão do Brasil, que ganhou o nome Hãhãwpuá para esta mostra, é a casa de nossa cultura na Biennale. Não há nada melhor do que poder encontrar no seu interior a discussão com a arte sobre os temas mais difíceis e necessários do nosso tempo: marginalização, desterritorialização e violação de direitos, refletindo sobre a resistência dos povos indígenas e suas propostas para um mundo mais sustentável e cidadão. Sem essa conversa, ou sem a arte, não há Brasil – ou futuro.

O Governo Federal tem orgulho de sua longeva parceria com a Fundação Bienal de São Paulo, instituição que tem a promoção da cultura e a democratização da arte como seus alicerces. A realização de projetos como Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam é uma forma de contribuir com o constante reencantamento com a nossa ancestralidade e fortalece a esperança de um futuro cada vez mais aberto para todas e todos. Que os talentos presentes no Pavilhão Hãhãwpuá sirvam de inspiração para a transformação que tanto sonhamos!

Margareth Menezes
Ministra da Cultura

A Bienal de Veneza é uma das mais tradicionais instituições organizadoras de eventos culturais do mundo, com uma história já centenária de encontros internacionais, oferecendo uma consolidada plataforma para a riqueza e a diversidade da produção de arte contemporânea global. Estar presente na Biennale Arte 2024 não apenas coloca o Brasil mais uma vez em meio às criações e os debates mais atuais do nosso tempo, mas também nos permite compartilhar nossas próprias narrativas e perspectivas nacionais com o grande público que o evento sempre atrai.

A exposição deste ano, intitulada Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, é um testemunho da resistência e resiliência dos povos indígenas no país. O nome do Pavilhão do Brasil nesta edição, chamado “Hãhãwpuá”, reflete a compreensão do país como uma terra indígena, honrando as muitas nações que habitam esse vasto território desde muitos séculos antes da formação de seu Estado. Essa mostra não apenas destaca a importância da preservação das culturas e tradições indígenas, mas também nos convida a refletir sobre as indispensáveis questões atreladas a elas, como a preservação ambiental e o fortalecimento dos direitos humanos.

As histórias contadas pelo trabalho dos artistas apontam para importantes caminhos no árduo processo que temos pela frente. O presente vive um momento de convergência entre o passado e o futuro como uma forma de indicar possibilidades de modos de existência mais alinhados com a repactuação das relações entre o indivíduo e o coletivo, entre as comunidades e a natureza que as cercam, e entre o Brasil e Hãhãwpuá.

A prerrogativa da Fundação Bienal de São Paulo na realização da participação oficial do Brasil na Biennale é fruto de uma parceria de longa data com o Governo Federal, um reconhecimento do trabalho da Fundação na promoção cultural do país no exterior. Nossa colaboração contínua demonstra o compromisso mútuo com a arte brasileira em escala global, fortalecendo nossa posição como protagonistas no cenário artístico e promovendo o diálogo cultural e a cooperação entre nações – um imperativo para a construção de um futuro mais sustentável, diverso e democrático.

Andrea Pinheiro
Presidente – Fundação Bienal de São Paulo

SOBRE OS CURADORES
© CABREL Escritório de Imagem / Fundação Bienal de São Paulo

Arissana Pataxó é artista plástica, da etnia Pataxó, desenvolve uma produção artística em diversas técnicas abordando a temática indígena como parte do mundo contemporâneo. Ingressou no curso de artes plásticas da Escola de Belas Artes – UFBA (Salvador, BA) em 2005 e concluiu em 2009, desenvolveu ao longo de seus estudos atividades de extensão de arte-educação com o povo Pataxó: oficinas e produção de material didático. Além dos Pataxó, continua trabalhando com outros povos indígenas da Bahia com atividades de arte-educação e produção de material didático. Em 2007 realizou sua primeira exposição individual Sob o olhar Pataxó no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA em Salvador, Bahia. Desde então ingressou no mundo artístico com participação em diversas exposições, como o Salão Regional de Artes Visuais de Porto Seguro em 2009 (BA), a exposição internacional Eco Arte no Museu de Arte de Montenegro em 2011 (RS) e mais recente de 2013-2014 a exposição itinerante Mira ! Artes visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas realizada em Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF).

Denilson Baniwa é nascido em Barcelos, no interior do Amazonas. Denilson Baniwa é indígena do povo Baniwa. Atualmente, vive e trabalha em Niterói, no Rio de Janeiro. Como ativista pelo direito dos povos indígenas, realiza, desde 2015, palestras, oficinas e cursos, atuando fortemente nas regiões sul e sudeste do Brasil e também na Bahia. Em 2018 realizou a mostra Terra Brasilis: o agro não é pop!, na Galeria de Arte da Universidade Federal Fluminense, também em Niterói, como parte do projeto Brasil: A Margem, promovido pela universidade. No mesmo ano, participou da residência artística da quarta edição do Festival Corpus Urbis, realizada no Oiapoque, no Amapá. Esteve em exposições no CCBB, Pinacoteca de São Paulo, CCSP, Centro de Artes Helio Oiticica, Museu Afro Brasil, MASP, MAR, 35ª Bienal de São Paulo e Bienal de Sidney. Além de artista visual, Denilson é também publicitário, articulador de cultura digital e hackeamento, contribuindo na construção de uma imagética indígena em diversos meios como revistas, filmes e séries de tv. Em 2019 venceu o Prêmio Pipa na categoria online e em 2021 foi um dos vencedores indicados pelo júri.

Gustavo Caboco Wapichana é artista visual Wapichana, trabalha na rede Paraná-Roraima e nos caminhos de retorno à terra. Sua produção com desenho-documento, pintura, texto, bordado, animação e performance propõe maneiras de refletir sobre os deslocamentos dos corpos indígenas, as retomadas de memória e na pesquisa autônoma em acervos museológicos para contribuir na luta dos povos indígenas. Em 2001 fez o seu primeiro “retorno à terra” Wapichana. Em 2018, foi vencedor do Concurso FNLIJ Tamoios de Textos de Escritores Indígenas com o texto “Semente de Caboco”. No ano de 2019, publicou seu primeiro livro, “Baaraz Kawau”, no Museu Paranaense em Curitiba, e participou da Exposição VAIVÉM no CCBB. Participou da exposição VÉXOA – nós sabemos na Pinacoteca e foi vencedor do 3oº Prêmio seLecT de Arte e Educação em 2020. Foi artista convidado da 34ª Bienal de São Paulo e da exposição Moquém Surarï no MAM – São Paulo em 2021. Em 2022, realizou a performance encontro di-fuso na Universidade de Manchester durante o Festival of Latin American Anti-Racist and Decolonial Art, foi convidado para o encontro indígena “aabaakwad” no pavilhão Sámi na Bienal de Veneza, foi artista convidado do 32ª programa de exposições do CCSP com Coma Colonial, realizou a individual ouvir àterra na Millan (São Paulo), lançou o livro “Baaraz Ka’aupan” no Museu Paranaense em Curitiba.

SOBRE OS ARTISTAS

Glicéria Tupinambá, 1982, aldeia Serra do Padeiro, Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia. Também conhecida como Célia Tupinambá, nasceu e se criou na Serra do Padeiro, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia. Faz mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFRJ. 

Em 2006, depois de o povo Tupinambá retomar suas terras na Serra do Padeiro, Célia decidiu fazer o primeiro manto Tupinambá, para agradecer aos encantados. A confecção dos mantos está literalmente costurada à história do território, seu cotidiano, sua memória.

Em 2021 o manto protagonizou a exposição Kwá yapé turusú yuriri Assojaba tupinambá [Essa é a grande volta do manto tupinambá], na Funarte, Brasília. Mais recentemente, Célia foi vencedora da 10ª edição da Bolsa de Fotografia ZUM/IMS com o projeto Nós somos pássaros que andam. Glicéria foi vencedora do Prêmio Pipa 2023.

Glicéria desenvolve suas obras junto às comunidades Tupinambá da Serra do Padeiro e Olivença, na Bahia.

© Method_av / Fundação Bienal de São Paulo
Foto: Maurício Requião

Olinda Tupinambá, 1989, Bahia. Vive e trabalha em Pau Brasil, Bahia. É artista, jornalista, documentarista, cineasta e ativista ambiental. É Tupinambá da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia, e também Pataxó Hãhãhãe, da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, do Sul da Bahia, onde mora.

Por meio da linguagem audiovisual, ela cria narrativas ficcionais que exploram assuntos prementes como a questão ambiental, a resistência étnica e a presença indígena na contemporaneidade. Participou da exposição Véxoa: nós sabemos, realizada na Pinacoteca de São Paulo em 2020, onde apresentou o filme Kaapora – O chamado das matas, entidade que também é mobilizada na videoinstalação Equilíbrio, exibida no Pavilhão Hãhãwpuá.

Ziel Karapotó, 1994, Aldeia Terra Nova, Alagoas. Vive e trabalha em Recife. Indígena da etnia Karapotó, da comunidade Terra Nova, Alagoas. Atua desde o ano de 2012 no campo das artes visuais, performance, instalação, curadoria, arte-educação e audiovisual. É formado em artes visuais na Universidade Federal de Pernambuco e é pesquisador visitante no IHAC/UFBA. Aborda em suas pesquisas as poéticas indígenas, configurações identitárias e o racismo sobre as etnicidades originárias, em especial sobre os povos indígenas no Nordeste. 

Integra os projetos de pesquisa Cultura de Antirracismo na América Latina (CARLA – UFBA e Universidade de Manchester) e Ciência e Arte Indígena no Nordeste (CAIN/UFPE), e é coordenador geral da Associação de Indígena em Contexto Urbano Karaxuwanassu – ASSICUKA.

Foto: Micaela Menezes Edição: Karkará Tunga
Fôlder da Exposição
Vídeo oficial